Alice Munro, 82, vencedora do Nobel de Literatura desse ano. Vai doer, mas tem de ler!
Prove uma amostra grátis do livro mais recente de Alice Munro, “Dear Life”, a ser lançado em português pela Companhia das Letras. Os trechos foram pinçadas pelo colunista da Folha, Marcelo Coelho, que vai logo avisando: “Os personagens são em geral mulheres a caminho da meia-idade, vivendo a vida sem graça de alguma cidadezinha canadense depois da Segunda Guerra Mundial.”
Uma jovem mãe cede ao impulso de fazer amor durante uma viagem de trem. Deixa a filhinha num vagão, dormindo, quietinha, claro, e vai ao encontro do rapaz em outro vagão. Quando ela volta para ver a filha… xiii…
Outra mãe, que se separou há pouco do marido, vive num trailer, a meio caminho entre a cidade e o mato. Há lobos no lugar. Também faz frio. O degelo cobre de água uma cratera, de onde se extraem pedregulhos de construção. Uns 20 pés de profundidade, especifica Alice Munro. A cachorrinha da família parece que entrou na água; não sabe nadar direito. A menina mais velha acha que sabe. Vai tirar a cachorrinha do poço. Xiii…
Gostou? Alice tem maestria com as palavras, uma fantástica forma de construir uma história, sem contar tudo, contando pouco, aos poucos. Seu texto é denso de uma densidade bolorenta, nebulosa. Mas, para mim, a leitura de um único conto rendeu uma verdadeira ressaca intelectual.
Desisti de levar o livro para o final de semana — a confiar na avaliação de Coelho e na minha breve iniciação no universo Munro, a leitura iria arruinar meu relax, com sua profundidade desencantada da vida. “Os contos da escritora prêmio Nobel”, diz ele, “são como piadas de humor negro, só que sem humor nenhum”.
A autora tem esse colorido cinzento e uma densidade que atordoa. Avarenta em adjetivos, econômica em alegrias, seu texto pinica. Não espere um happy and, me aconselhou uma amiga que soube apreciar o estilo. Não tente encontrar conclusões nas histórias, me disse ela. Ao contrário, Munro vai até o limite das decisões humanas. E se o leitor antecipa algumas ações é por sua conta e risco continuar com a leitura. Para essa amiga, leitora voraz de tudo e de todos, isso é uma qualidade, não um defeito. Para Marcelo, há um desencanto explícito e tudo acontece num universo sem Deus. Para mim, a obra exerceu um encantamento doloroso, aquele tipo de impacto que nos traz a beleza triste e depressiva. A vida como ela é.
Leia. Vale a pena. Mas tome esse pequeno recado como a bula de um remédio que alerta para os efeitos colaterais de uma coisa que vai te fazer bem e mal. Boa sorte.
Sim, Alice Munro é desencantada, pois a vida como ela é…mas a vida não é só isso, a vida tem encanto, é só ler Guimarães Rosa e a vida volta a se encantar. E lá vamos nós, de encantos e desencantos, fazendo nosso caminho. Tem valido a pena!
Gostei muito do seu texto.