Wislawa Szymborska é poetisa e ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 1996, tinha então 73 anos. A justificativa do prêmio dizia: ” por sua poesia que, com irônica precisão, permite que o contexto histórico e biológico venha à luz em fragmentos de realidade humana”
Você vai curtir esse poema dela sobre o viver humano, sem ensaio, sempre uma noite de estreia… até cair o pano. “O que quer que eu faça, vai se transformar para sempre naquilo que eu fiz”
Essa é a nossa peça, nosso cenário é sempre agora!
Divirtam-se com A Vida na hora, de Wislawa Szymborska!
ET: E essa foto dela fumando, gente?
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.
Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver, mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos, inacabada a contagem das estrelas, o caráter como o casaco às pressas abotoado – eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isso é justo – pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias.Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça, vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
Extraído do livro Poemas, de Wislawa Szymborska, Companhia das Letras